87. ÍNDIA - Costa da Pescaria 10/1542-11/1543

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AO PADRE INÁCIO DE LOYOLA (ROMA)
Tuticorim, 28 de Outubro 1542
Duma cópia em castelhano, feita em 1543

A graça e a paz de Nosso Senhor Jesus Cristo estejam sempre connosco. Amen.
Lembra a carta que escreveu de Goa
1. Da cidade de Goa vos escrevi1, muito longamente, de toda a nossa peregrinação, desde que partimos de Lisboa até à nossa chega­da à Índia. E também [de] como estava de partida para Tuticorim2, em companhia duns Padres3 daquele lugar, os quais, de pequenos, foram levados para a cidade de Goa, onde foram ensinados nas coi­sas eclesiásticas, de maneira que agora são de Evangelho4.


Situação dos cristãos na Costa da Pescaria: batismo de crianças e catequese de jovens
2. Viemos por lugares de cristãos5 que, agora haverá oito anos, se fizeram cristãos6. Nestes lugares, não habitam portugueses, por ser a terra muito estéril, em extremo, e paupérrima. Os cristãos destes lugares, por não haver quem os ensine na nossa fé, não sabem mais dela que dizer que são cristãos. Não têm quem lhes diga Missa7, nem menos quem lhes ensine o Credo, Pai-nosso, Ave-Maria, nem os Mandamentos. Nestes lugares, quando chegava8, baptizava todas as crianças que não estavam baptizadas. De maneira que batizei uma grande multidão de crianças «ignorantes da diferença que há entre es­querda e direita9». Quando chegava aos lugares, não me deixavam, as crianças, nem rezar o meu Ofício, nem comer, nem dormir, sem que lhes ensinasse algumas orações. Então comecei a perceber «porque é de tais o reino dos céus10». Como tão santa petição não podia, senão impiamente, negá-la, começando pela confissão do Pai, Filho e Es­pírito Santo, pelo Credo, Pai-nosso, Ave-Maria, assim as ensinava. Conheci nelas grandes engenhos. Se houvesse quem as ensinasse na santa fé, tenho por muito certo que seriam bons cristãos.

Feliz parto duma mulher depois de aceitar o batismo, que desencadeia conversões e batismos em massa no lugar
3. Seguindo caminho, cheguei a um lugar de gentios11, onde não havia nenhum cristão, nem se quiseram fazer quando os seus vizinhos se converteram à fé, dizendo que eram vassalos dum senhor gentio, o qual, ele, não queria que eles fossem cristãos. Neste lugar estava uma mulher com dores de parto havia três dias. Muitos des­confiavam [já] da sua vida. Como as invocações dos gentios desagra­dam a Deus, por serem «todos os deuses dos gentios demónios»12, as suas petições não eram ouvidas nem [bem] vistas na presença do Senhor13, fui [eu], com um daqueles Padres que vinham comigo, àquela casa, onde estava aquela coitada mulher com dores de parto. Entrando em casa, «comecei confiantemente a invocar o grande nome de Cristo14», nada pensando que estava em terra alheia15, mas antes julgando que «do Senhor é a terra e tudo o que a enche, o orbe terrestre e quantos nele habitam»16. E, começando pelo Credo – e o Padre meu companhei­ro traduzindo-o na sua língua deles17 – veio ela, por clemência de Deus, a acreditar nos artigos da fé. Perguntei-lhe se queria ser cristã. Respondeu-me que, de muito inteira vontade, queria sê-lo. Rezei então os Evangelhos naquela casa – os quais creio que, naquela casa, nunca foram ditos – e, depois, batizei-a. Que mais? Imediatamente depois do batismo deu à luz, aquela que confiantemente em Cristo, e o bebé, naquele dia nascido, com todos os de casa. Soou pelo Jesus esperou e acreditou. Depois, batizei o seu marido, filhos e fi­lugar o que Deus nesta casa realizou.

1 Xavier-doc. 15.
2 Tuticorim, em língua tamul Tûttukkudi, localidade principal da Pescaria, onde os cristãos paravas eram 8.270 em 1644 e em 1914, cerca de 8.500. Em 1931 tinha 60.395 habitantes.
3 Em sentido amplo de clérigos: eram os dois diáconos e o minorista que refere no Xavier-doc. 15,14.
4 Os dois diáconos: um chamava-se Gaspar e o outro Manuel.
5 Refere-se provavelmente a Manapar, pois era este o primeiro porto a que aportavam as naus vindas da costa ocidental (cf. PATE, l.c. 501). Dali foi Xavier por terra a Tuticorim, pois diz que visitou vários lugares de cristãos antes de lá chegar.
6 Os legados dos paravas abraçaram a fé em 1535; as aldeias disseminadas des­de o promontório de Comorim até Punicale, em 1536; e as situadas ao norte de Punicale, em 1537.
7 Quando chegou Xavier, apenas um sacerdote secular tinha a seu cargo toda esta região de cristãos. Vivia em Tuticorim e, ao que parece, não ensinava a dou­trina cristã nem visitava as outras comunidades cristãs (SCHURHAMMER, ib. 230-233).
8 Entre Manapar e Tuticorim eram estes os lugares de paravas: Âlantalai, Tiru­chendûr, Vîrapândyanpattanam, Talambuli, Punnaikâyal (Punicale), Palayakâyal (Cael Velho). Além disso viviam só maometanos em Kâyalpattanam e careas em Kombuturê.
9 Cf. Jon 4,11.
10 Mt 19,14.
­­­­­­­­­­­11 Talvez a aldeia de Kombuturê, habitada por careas, casta afim dos paravas. Es­tava situada perto de Kâyalpattanam, a sudoeste. Hoje apenas resta uma capela dedi­cada a S. Estêvão (Santh Esteve Krusadi). Xavier fala de duas aldeias cristãs da casta dos careas, perto de Kombuturê (Xavier-doc. 30,3; 39,5;). Talvez uma delas seja aquela a que se refere nesta carta. No processo de canonização elaborado em 1616, duas testemunhas dizem que o lugar foi «perto de Tuticorim»). Entendida a expressão rigorosamente, aludiriam a Cael Velho; mas não cremos se deva insistir muito na palavra «perto».


12 Slm 95,5.
13 Slm 101,1.
14 Cf. Gen 4,26; Act 19,13.
15 Cf. Slm 136,4.
16 Slm 23,1.
17 Língua tamullhas.



Acabado isto, fui aos principais do lugar e requeri-lhes, da parte de Deus, que cressem em Jesus Cristo seu Filho, «o único no qual está a salvação»18. Eles responderam-me que, sem licença do senhor do lugar, não ousariam fazer-se cristãos. Fui a um criado do senhor do lugar, o qual tinha vindo para cobrar certas rendas do seu senhor. Depois que lhe falei, disse ele que ser cristão era boa coisa e que ele lhes dava licença para se fazerem cristãos. Este coitado deu-lhes bom conselho, mas ele não o quis tomar para si. Então, batizaram-se os mais principais do lugar, com todas as suas casas. Depois que os principais se tornaram cristãos, batizei os do lugar, assim grandes como pequenos19. Acabado isto, segui o meu caminho para Tutico­rim. Quando chegámos, os Padres e eu, fomos recebidos dos deste lugar com muito amor e caridade. Esperamos em Deus Nosso Se­nhor que havemos de fazer muito fruto.

O Governador continua a proteger os cristãos: louvor que merece do Papa e de Inácio
4. O senhor Governador tem muito amor a estes cristãos, que recentemente se fizeram nestas partes. Favoreceu-os muito em tempos que os mouros os perseguiam e maltratavam. Estes cristãos estão todos pegados com o mar e vivem só das riquezas do mar: são pescadores. Os mouros tinham-lhes tomado os seus navios, com os quais se mantinham. O senhor Governador, logo que disto soube, foi em pessoa com uma armada atrás dos mouros, de maneira que os alcançou. E matou grande multidão deles: desbaratou-os a todos. Tomou-lhes todos os seus navios, sem deixar-lhes nenhum, e [tam­bém] os que levavam de presa dos cristãos desta terra. Restituiu a todos os cristãos os seus navios e, aos pobres que não tinham navios nem com que podê-los comprar, deu-lhes os que tomou como presa aos mouros. De maneira que teve uma grande vitória e de muita me­mória. E, assim como Nosso Senhor o ajudou, assim o soube reco­nhecer, pois tão liberal foi com os cristãos. Agora não há memória de mouros, nem há entre eles quem ouse alçar cabeça. Matou o Senhor todos os principais e os que eram para alguma coisa20. Os cristãos desta terra têm o senhor Governador por pai, e o senhor Governador tem-nos por filhos «gerados em Cristo»21. Deus Nosso Senhor sabe quanto me tem recomendado estas nova «plantas de Cristo»22. Agora está o senhor Governador para fazer uma coisa de muita memória e serviço de Deus Nosso senhor que é: juntar todos estes cristãos, os quais estão longe uns dos outros, e pô-los numa ilha23 e dar-lhes rei que olhe por eles, mantendo-lhes justiça. E, com isto, juntamente, quem olhe pelas suas almas.
Se Sua Santidade soubesse quanto cá o senhor Governador o serve, agradecer-lhe-ia os serviços que cá faz. Portanto, fazei que lhe escreva, agradecendo-lhe os serviços que cá lhe faz: não recomen­dando-lhe os cristãos, porque ele os tem a cargo, mas dando-lhe as devidas graças, que os seus serviços merecem, pois tanto olha pelas suas ovelhas e tão solícito é em vigiar sobre elas para que os infiéis, «lobos rapaces, não as devorem24». Não deixeis de escrever-lhe, porque com as vossas cartas estou certo que tomará muito prazer. E com isto, juntamente, encomendando-o a Deus Nosso Senhor, assim vós como todos os da Companhia, para que lhe dê sua santíssima graça para sempre perseverar em bem, pois a nossa salvação não consiste somente em bem começar, mas em bem perseverar até ao fim25. Eu, confiando na infinita misericórdia de Deus Nosso Senhor, com o muito favor dos vossos sacrifícios e orações e de toda a Companhia, espero que, se nesta vida não nos virmos, será na outra, com mais prazer e descanso do que neste mundo temos.
De Tuticorim, a 28 de Outubro, ano 1542
Vosso filho em Cristo
FRANCISCO DE XABIER

[*Humildade e omissão de suas virtudes - Omitiu o nosso humilde Apóstolo nesta carta uma circunstância que julgamos dever mencionar.
Foi a seus rogos que o vice-rei veio em socorro dos Paravás oprimidos pelos Sarracenos; aqueles povos dedicavam, é verdade, uma grande afeição a D. Afonso, mas experimentavam por Francisco Xavier uma amizade e uma veneração incomparáveis.
Aqueles sentimentos tornaram-se tais, que os transmitiram, como uma preciosa herança, às gerações que seguiram, e hoje ainda, os missionários encontram vivas, por aquelas Costas, a lembrança do ilustre Apóstolo das Índias, que eles chamam sempre o seu grande Padre.
Vamos encontrar a continuação pormenorizada desta interessante missão das Costas da Pescaria em uma outra carta de Xavier à Companhia de Jesus. Reproduziremo-la quase na sua íntegra, para que o leitor possa acreditar ainda mais naquela grande alma, que soube tão admiravelmente inutilizar-se, por assim dizer, com o fim de se pôr ao alcance das inteligências que pretendia esclarecer e salvar para a glória de Deus que tanto amava.
A data daquela carta diz-nos que havia já mais de um ano que São Francisco Xavier percorria a Costa e trabalhava, como vamos ver, com uma atividade e um resultado miraculoso.]
18 Act 4,12.
19 Testemunhas do processo de canonização de 1616 dizem que se batizou «quase toda a aldeia» (MX II 554). A primeira testemunha é o parava Tomé Vaz, de 67 anos, habitante de Tuticorim, cujo pai tinha hospedado Xavier em Punicale.
20 Alude à vitória de Martim Afonso de Sousa sobre os muçulmanos em 30 de Janeiro de 1538, perto de Vêdâlai, ao norte da Pescaria (cf. SCHURHAMMER, Die Bekehrung 216-219).
21 Cf. 1Cor 4,15.
22 Cf. Slm 143,12.
23 Em 1560 persistia o plano de levar colonos cristãos para Jaffna (Ceilão), mas não foi possível conquistá-la. Em 1561 mudaram-se os cristãos para a ilha de Manar, mas por causa da peste tiveram de a abandonar em 1563. Nem em 1611 se puderam instalar na costa sudoeste de Ceilão.
24 Cf. Mt 7,12; Act 20,29; 1Pdr 5,8.
25 Mt 10,22.
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[*Ordenação das virtudes miraculosas para os jovens exercerem aos necessitados - Os milagres acompanhavam por toda a parte as pregações de Xavier. Vimos, na caria precedente, que de vários pontos opostos e afastados concorria muita gente a pedir-lhe para recitar o Evangelho aos doentes, então em grande número; que os doentes eram de ordinário curados, e que com o fim de satisfazer a todos ao mesmo tempo, mandava as crianças para substituí-lo.
Mas o que o Santo não diz, é que ele dava a essas crianças uma medalha, um rosário, uma imagem ou qualquer outro objecto de devoção, que trazia consigo, ou que havia tocado, o que era bastante para lhe comunicar uma virtude miraculosa...
Um dia vieram dizer-lhe de Manapar que um homem, dos mais importantes do país, estava possuído do demônio, e lhe pediam que viesse livrá-lo. O apóstolo, cercado naquele momento duma imensa multidão que instruía, chama um jovem, entrega-lhe um crucifixo que trazia sempre sobre o peito, e lhe ordena que vá sem receio pôr em fuga o demônio:
- "Não volteis sem que o tenhais expulsado vergonhosamente! disse ele ao rapaz".
À chegada do pequeno mensageiro, o possesso faz ouvir os mais medonhos uivos; os seus membros convulsos fazem horror de ver. O rapaz não se assusta: canta as orações que o Santo Padre lhe havia ensinado, ordena ao demônio que se retire e ao doente que beije o crucifixo do Santo Padre; e o demônio obedece e abandona a sua vítima.

O arrependimento pode vir muito tarde - Francisco Xavier vai procurar um dos habitantes desta mesma cidade de Manapar e roga-lhe que o escute por um momento, a fim de deixai penetrar a luz no seu espírito, porque o desgraçado índio era ainda idólatra e recusava a instrução de que tanto carecia. Ele rebela-se contra o santo apóstolo e o repele, dizendo:
-"Nunca entrarei na igreja dos cristãos! Se eu tivesse algum dia esta intenção, desejaria que me fosse proibida a entrada!"
Alguns dias depois, foi este índio atacado por homens armados que haviam jurado a sua morte. Ele consegue escapar-se das suas mãos; corre e procura um abrigo contra aqueles que o perseguem rugindo de raiva, e não vê outro senão a igreja dos cristãos; ela está aberta, mas ele acha-se ainda muito distante... Dirige-se para ali a correr, enquanto os cristãos que se achavam reunidos no templo, naquele momento, aterrados pelos gritos dos pagãos e temendo a pilhagem de que as suas igrejas eram constantemente ameaçadas, se apressam em fechar as portas. O desgraçado índio é morto pelos seus inimigos mesmo à porta da igreja, que, na sua impiedade, ele desejara ver fechar-se sobre si no dia em que pretendesse transpor os seus umbrais...

Cura ao leproso - Visitando o Santo uma aldeia da mesma Costa da Pescaria, encontrou um pobre Paravá coberto de úlceras, falto de tudo, inteiramente nu e sem forças já para suportai a vida. O coração de Xavier comove-se profundamente à vista de tamanha dor e miséria. Ajoelha-se junto do doente, e fala-lhe com a voz entrecortada pelas lágrimas; consola-o com uma ternura paternal; lava as suas chagas, das quais ninguém se atreveria a aproximar-se, tão repugnantes eram elas, e cedendo ao seu ardente desejo de mortificações e de sofrimentos, lembrando-se, além disto, da delicadeza da sua natureza, que outrora chegava ao excesso, bebe, uma parte da água que servira para lavar as chagas do índio!!!... Afasta-se em seguida do lado do doente, que acabava de abraçar com afecto e solícita caridade, e entrega-se à oração.
Alguns instantes depois, levanta-se e volta para junto do doente... O Paravá olha para si, examina os seus membros, palpa-os e abre os grandes olhos... Estava curado! Suas chagas estavam cicatrizadas, seu corpo estava inteiramente limpo e não parecia ter sofrido nunca!

Ressurreição do catequista - Antônio de Miranda era o catequista do nosso Santo, e por este título lhe era duplamente querido.
Uma noite, foi mordido por uma víbora que lhe causou a morte; o veneno desses répteis é mortal nas Índias. O Santa Padre é chamado; vai imediatamente, mas não vai ocupai-se dos seus funerais; precisa dele para a instrução dos índios, a glória de Deus e a salvação das almas carecem dos seus trabalhos
- "Antônio, diz-lhe o Santo, com voz forte e vibrante, em nome de Jesus Cristo, levantai-vos!"
E Antônio que morrera na noite precedente, levantou-se cheio de vida. As manchas do veneno que o matara desaparecem no mesmo instante. A multidão, presente aquele prodígio, solta gritos de alegria e de admiração ; lança-se aos pés do Santo Padre, chama-o o grande Deus, e ele vê-se obrigado a explicar-lhe que não é mais que o instrumento do grande Deus que reina nos Céus e que o enviou às Índias para se fazei conhecer, fazer-se amar, fazer-se servir por todos que o ouvem, e para bem doutros ainda, aos quais espera levar o seu nome.

Mais 03 ressurreições: sinal de conversão - Em uma outra aldeia morreu uma menina dumas febres violentas e perniciosas do país; a família desesperada, apela para o santo Padre; ele corre e ressuscita a morta, em presença dum imenso número de pagãos, que crêem imediatamente no Deus de Xavier e solicitam a graça do batismo.
Igual prodígio se repete para com um rapaz que perecera da mesma doença, e do mesmo modo numerosas conversões coroam este milagre.
Duma outra povoação vieram pedir ao Santo para que acudisse a dar a vida a uma criança. Na véspera caixa aquele pobre inocente em um poço, donde o tiraram morto; porém o Deus do santo Padre ressuscitara outros e pode também ressuscitar este. Os pagãos ali estão, esperando e não querendo acreditar nos prodígios que tantos outros viram e de que procuravam convencê-los.
Francisco Xavier não os faz esperar; chega com o mensageiro, e vendo que a criança está moita, ora por alguns instantes a poucos passos do cadáver; depois levantando-se, ordena à morte que deixe o menino, e à vida que se aposse dele, e a morte e a vida obedecem à ordem de Xavier invocada em nome de Jesus Cristo
Os pagãos não chamavam dali em diante o Santo apóstolo, senão o grande Deus da natureza.

Mortificações - Quantos mais prodígios operava Francisco Xavier, maiores eram as austeridades e mortificações a que se entregava. Sua alimentação era a dos mais pobres de entre os índios: arroz e água e nada mais.
Habitava uma miserável cabana de pescador, dormia no chão.
O vice-rei forçara-o a aceitar um colchão e um cobertor; Xavier vira um pobre deitado sobre folhas secas e lhe dera imediatamente o cobertor e o colchão. Não dormia senão três horas, e não lhe importava a dureza da sua cama para um sono de tão curta duração; não tinha ele a censurar-se de alguns excessos da sua mocidade? Viu-se como, nos arrebatamentos expansivos da sua alma, deplorava aqueles anos que toda a sua vida devia expiar por mortificações tais, que lhe parecia dever duvidar da salvação se não fossem completamente cumpridas. Não podia esquecer-se de que por alguns anos deixara de amar a Deus, a não ser de muito longe, para assim dizer, como o amam muitos cristãos, agora que o zelo da sua glória o abrasa e o devora. As fadigas, os sofrimentos, as privações, as humilhações, são os seus maiores desejos, porque tudo quanto ele sofria naquele apostolado tão penoso, era por Deus, e Deus sofrera tanto por nós!
Ele sofre para salvar as almas e Jesus Cristo deu todo o seu sangue pela salvação daquelas almas! Por isso o Santo apóstolo em nenhuma conta tinha tudo quanto fazia por Deus, e cada vez que os prodígios se multiplicassem nele, mais devedor se considerava.

Xavier havia já conquistado ao inferno uma grande extensão da Costa; ele sòzinho não era suficiente para satisfazer as necessidades de todas aquelas cristandades; além disso, a sua presença era reclamada em Goa, onde tinha muitos negócios a regular, e por isso embarcou em Novembro de 1543, com destino àquela cidade, levando dois indígenas que devia deixar no Colégio da Santa-Fé. 

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